Fotos de Renato Roque (gentilmente cedidas)
Em junho a Associação Portuguesa de Escritores atribuíu o seu Grande Prémio de Poesia, ao livro "Entre dois rios e outras noites", de Ana Luísa Amaral. O júri, que decidiu por unanimidade, foi constituído por Ana Paula Arnaut, José Cândido Martins e Nuno Júdice.
No dia seguinte ao anúncio do prémio, a Casa de 3 teve o prazer de receber e felicitar a prestigiada escritora, no âmbito do jantar do grupo do curso de escrita criativa leccionado pela premiada na Reitoria da Universidade do Porto.
Em dada altura da noite fez-se silêncio para escutar a palavra poética, o que deliciou os presentes.
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A mais perfeita imagem
Se eu varresse todas as manhãs as pequenas
agulhas que caem deste arbusto e o chão que
lhes dá casa, teria uma metáfora perfeita para
o que me levou a desamar-te. Se todas as manhãs
lavasse esta janela e, no fulgor do vidro, além
do meu reflexo, sentisse distrair-se a transparência
que o nada representa, veria que o arbusto não passa
de um inferno, ausente o decassílabo da chama.
Se todas as manhãs olhasse a teia a enfeitar-lhe os
ramos, também a entendia, a essa imperfeição
de Maio a Agosto que lhe corrompe os fios e lhes
desarma geometria. E a cor. Mesmo se agora visse
este poema em tom de conclusão, notaria como o seu
verso cresce, sem rimar, numa prosódia incerta e
descontínua que foge ao meu comum. O devagar do
vento, a erosão. Veria que a saudade pertence a outra
teia de outro tempo, não é daqui, mas se emprestou
a um neurónio meu, uma memória que teima ainda
uma qualquer beleza; o fogo de uma pira funerária.
A mais perfeita imagem da arte. E do adeus.
(Ana luísa Amaral, in A Arte de ser tigre, Gótica, Lisboa, 2003)
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